Eu não sei se será um
problema ou se não, eu só sei que a partir do momento em que os nosso corpos se
sentam lado a lado naquele sofá já familiar, se calhar bastante familiar, eu
perco-me de mim, eu mudo, eu não sou a mesma. Eu sou aquela pessoa que
desconhecia ser, eu sou para mim a pessoa mais estranha do momento. Cada toque,
cada gesto, cada palavra ou não palavra, em cada minuto de silêncio eu deixo de
ser eu, e passo a ser alguém.
É uma queda que tens
para me deixar assim, completamente fora de mim, fazeres com que eu seja aquela
pessoa que nunca fui mas que me deixa com uma vontade enorme de me conhecer, de
a ser de novo, de viver mais um bocado da minha vida sendo eu aquela personagem
que fui naquela tarde, naquele sofá, durante aquelas três ou quatro horas.
Despertares em mim uma
quantidade de sensações, das quais algumas impossíveis de controlar, ir ao mais
profundo de nós, buscar sempre mais qualquer coisa, fazer sempre uma nova
descoberta, ir até ao limite, pode-se dizer que é mesmo pisar o risco mas nunca
passando para o outro lado, nunca mudando de margem.
Ouvir-te a respirar ao
meu ouvido e ouvir cada batida do teu coração, enquanto a minha cabeça repousa
sob o teu peito é uma dádiva. O desenvolver das coisas é qualquer coisa de
extraordinário, a minha única preocupação são as horas, é mesmo o facto de ter
de procurar o relógio constantemente porque quando chega a minha hora, embora
estejamos perdidamente malucos, sou obrigada a abandonar o momento, despedir-me
e ir-me embora, o problema está aí em ter de deixar mas não conseguir. Em todas
as semanas ter de arranjar uma desculpa diferente para justificar o atraso. Todas
as semanas se atira areia para os olhos de quem já foi jovem, de quem já sabe
como as coisas funcionam e imaginam como será quando estamos os dois na mesma
casa, durante quase toda a tarde.
Isto é amor, é normal
perdermo-nos no tempo, pensarmos que ainda podemos aproveitar mais um ou dois
minutos em cima da nossa hora, saber que falta muito pouco mas tentar que esse
pouco dê para muita coisa e é aí que as coisas se desenvolvem não de propósito
mas desenvolvem-se. Podia dizer que é uma coisa parva porque durante toda a
tarde eu olho para o relógio e ao ver que ainda falta uma hora as coisas vão
mais devagar, são mais lentas e quando está na hora pensa-se que tudo tem que
acontecer e, embora saibamos que não é naquele curtíssimo espaço de tempo que
tudo vai acontecer, preferimos sempre arriscar ficando por lá mais uma hora até
ao próximo autocarro.
Depois pousar o pé no
chão é já uma melancolia, passar para o outro lado do portão, atravessar a rua
é algo bastante nostálgico.
Não dá para acreditar,
não dá, depois só nos resta ficar a desejar durante toda a semana para que
chegue, de novo, o nosso dia, o nosso lindo dia.