"Falar sem aspas, amar sem interrogações, sonhar com reticências, viver e ponto final."

sábado, 9 de junho de 2012






Eu não sei se será um problema ou se não, eu só sei que a partir do momento em que os nosso corpos se sentam lado a lado naquele sofá já familiar, se calhar bastante familiar, eu perco-me de mim, eu mudo, eu não sou a mesma. Eu sou aquela pessoa que desconhecia ser, eu sou para mim a pessoa mais estranha do momento. Cada toque, cada gesto, cada palavra ou não palavra, em cada minuto de silêncio eu deixo de ser eu, e passo a ser alguém.
É uma queda que tens para me deixar assim, completamente fora de mim, fazeres com que eu seja aquela pessoa que nunca fui mas que me deixa com uma vontade enorme de me conhecer, de a ser de novo, de viver mais um bocado da minha vida sendo eu aquela personagem que fui naquela tarde, naquele sofá, durante aquelas três ou quatro horas.
Despertares em mim uma quantidade de sensações, das quais algumas impossíveis de controlar, ir ao mais profundo de nós, buscar sempre mais qualquer coisa, fazer sempre uma nova descoberta, ir até ao limite, pode-se dizer que é mesmo pisar o risco mas nunca passando para o outro lado, nunca mudando de margem.
Ouvir-te a respirar ao meu ouvido e ouvir cada batida do teu coração, enquanto a minha cabeça repousa sob o teu peito é uma dádiva. O desenvolver das coisas é qualquer coisa de extraordinário, a minha única preocupação são as horas, é mesmo o facto de ter de procurar o relógio constantemente porque quando chega a minha hora, embora estejamos perdidamente malucos, sou obrigada a abandonar o momento, despedir-me e ir-me embora, o problema está aí em ter de deixar mas não conseguir. Em todas as semanas ter de arranjar uma desculpa diferente para justificar o atraso. Todas as semanas se atira areia para os olhos de quem já foi jovem, de quem já sabe como as coisas funcionam e imaginam como será quando estamos os dois na mesma casa, durante quase toda a tarde.  
Isto é amor, é normal perdermo-nos no tempo, pensarmos que ainda podemos aproveitar mais um ou dois minutos em cima da nossa hora, saber que falta muito pouco mas tentar que esse pouco dê para muita coisa e é aí que as coisas se desenvolvem não de propósito mas desenvolvem-se. Podia dizer que é uma coisa parva porque durante toda a tarde eu olho para o relógio e ao ver que ainda falta uma hora as coisas vão mais devagar, são mais lentas e quando está na hora pensa-se que tudo tem que acontecer e, embora saibamos que não é naquele curtíssimo espaço de tempo que tudo vai acontecer, preferimos sempre arriscar ficando por lá mais uma hora até ao próximo autocarro.
Depois pousar o pé no chão é já uma melancolia, passar para o outro lado do portão, atravessar a rua é algo bastante nostálgico.
Não dá para acreditar, não dá, depois só nos resta ficar a desejar durante toda a semana para que chegue, de novo, o nosso dia, o nosso lindo dia.

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